Sofia
prometera a si mesma que não iria contar a ninguém o que se passara
entre si e Pedro, iria defendê-lo, iria impedir que as pessoas
fizessem juízos de valor sobre a traição que eles fizeram a
Matilde. Conhecia-o melhor do que conhecia a si mesma, sabia todos os
traços do seu corpo, conhecia-o interiormente como conhecia a palma
das suas mãos.
E
por isso sabia que, ele não iria ficar bem com o que havia feito,
que iria ficar com remorsos e iria querer contar a Matilde mesmo que
isso lhe custasse a relação, só para viver melhor com a sua
consciência. E isso doía-lhe, apesar de ter sido a melhor “noite”
da sua vida, tudo o que havia sido resultado não eram boas
sensações, amava-o e aquilo havia sido o mais próximo de amor que
havia tido da parte dele nos últimos tempos, mas não poderia
perdoar a si mesma. Não sabia se ele (ainda) a amava, não sabia se
gostava de Matilde como já havia gostado de si, aquele dia havia
sido demasiado confuso para tirar as suas primeiras conclusões.
-Então
Sofia? Podes-me explicar o que se passou?
-Rita,
não te consigo explicar o inexplicável.
-Conta-me
tudo o que se passou e o que sentiste.
Sofia
respirou fundo. Talvez Rita não a fosse julgar, nem a Pedro, talvez
o melhor mesmo fosse desabafar e a opinião de um terceiro a ajuda-se
a descodificar e a lidar com todos os sentimentos.
-Toquei
à porta e ele abriu-me, e começou logo a dizer que se era para
pedir desculpa podia voltar para a beira do Filipe, eu pedi para
entrar e fomos até à sala e ele disse que não precisava de
explicar nada, que nós não éramos nada e eu defendi-me, eu amo-o e
depois de tudo, recuso-me pensar que agora tudo desapareceu, e ele
disse-me que sofreu muito por me perder, por eu o ter abandonado, e
que o que mais lhe doeu foi a minha carta, e o meu coração
desfez-se por completo, Rita. Falou-me do que sentiu quando soube que
eu e o Filipe nos envolvemos e do nosso filho e da morte dele,
acusou-me de o ter enganado e disse que me amava e acusou-me de nunca
o ter feito...
-E
tu?
-Defendi-me.
Disse uma asneira e disse que o amava, no presente, agora e aí voltei a ver no olhar do Pedro algo que vejo no olhar do
Filipe, eu vi desejo, pode parecer estranho mas foi isso mesmo, e eu disse-lhe que
também o desejava. Ele aproximou-se de mim e beijou-me com desejo e
vontade, e eu só conseguia pensar na Matilde e perguntei-lhe, e ele
disse que só queria saber de nós. Sofia, aquilo, foi a melhor noite
de amor que alguém alguma vez me deu, eu fui multiorgásmica, aquilo
foi “a” noite, se alguma vez terei filhos será de algo assim!
-Tu
usaste preservativo certo?
-Não,
mas não têm problema que não estou no período fértil.
-Diz-me
que tomas a pílula.
-Não,
nem nunca a tomei.
-Tu
tens noção que pode neste momento estar a formar-se um bebé dentro
de ti não tens?
-Não
estou grávida, confia em mim, mas continuando... A Matilde mandou
mensagem preocupada e percebeu que não estava bem e... E …
-E?
-Acabamos
por ir almoçar juntas.
-Tu
foste almoçar com a rapariga a quem tinhas acabado de meter um
valente par de cornos?
-Não
punha a situação nesses termos...
-Sofia,
isso foi o golpe mais baixo que te vi dar até hoje.
-Esqueceste-te
que fui para a cama com um grande amigo do meu ex-namorado.
-Mas
isso é diferente! Isso aconteceu e quando olhas para o Filipe é
fácil perceber!
-O
que queres dizer com isso?
-O
Filipe não é um deus grego porque é português!
Sofia
não conseguiu conter o riso, realmente Filipe era realmente bonito,
mas aos seus olhos nada era mais bonito que Pedro.
-O
Pedro é melhor!
-São
opiniões, meu amor, para mim o melhor é mesmo o teu irmão, mas tu
tens olho para a coisa não haja dúvida!
-A
minha cunhada é uma tola! -
Sorriram. -
Mas a visita da Matilde não durou muito, eu não sabia como lidar
com ela e como não poderia desabafar combinado juntarmo-nos outro
dia, mas eu vou atrasá-lo o quanto mais puder melhor. E o mais
estranho de tudo e me fez sentir tão estranha foi que depois de
fazermos amor adormecemos e quando acordei ele estava a vestir-se e
disse-me tal e qual assim “a tua roupa está na casa de banho,
podes tomar banho mas despacha-te que o Raphael deve chegar daqui a
pouco tempo”, e sabes como eu me senti? Senti-me usada, inútil e
burra.
-O
Pedro disse-te isso?
-Sim.
-Bem...
-
Rita ia começar a falar mas Sofia lembrou-se que não havia contado
tudo.
-Espera,
ainda há algo que não te contei. Eu estava na praia onde eu e o
Pedro começamos a namorar e ele apareceu vindo não sei de onde, e
sentou-se à minha beira, ficamos em silêncio durante algum tempo e
ele perguntou-me porque me tinha envolvido com o Filipe e eu não
respondi, não sabia o que lhe dizer e ele insistiu e eu disse que
estava carente, tinha acontecido e disse que o amo e ele disse que
também me amava mas a dor que lhe deixei era maior que o amor que
sentia por mim. Eu devia ter morrido Rita, eu devia ter morrido
quando me tentei matar na praia em Espinho, quando me tentei matar a
cortar-me.
-Tu
não ouses voltar a dizer um disparate desses ouviste Ana Sofia? -
Ergueu o tom de voz e utilizou os dois nomes. -Achas
que não fazes falta? O teu irmão ama-te, tu és a mulher da vida
dele, a menina dos olhos dele, mesmo que ele não o demonstre muito.
Tu e o teu irmão são a vida dos teus pais e ias levar a vida deles
contigo se partisses, eu sei que fiz muita porcaria contigo mas és
alguém importante para mim, és a minha cunhada, és uma amiga, uma
confidente, quanto aos teus rapazes, eu não queria dizer-te isto mas
tu obrigaste-me. O Filipe gosta de ti, de uma forma que nem imaginas,
e o Pedro? O Pedro pode dizer o que quiser, mas as atitudes dele vão
sempre provar o óbvio, que te ama.
Aquelas
palavras atravessaram que nem uma flecha no coração de Sofia. Ela
era muito mais importante para aquelas pessoas do que pensava.
-O
Pedro ainda me ama? -
Foi a única coisa que conseguiu dizer.
-Sofia
eu não o conheço bem, não sei dizer, nem justificar tudo aquilo
que ele fez e faz, mas posso ver tudo de uma perspetiva diferente,
tentei evitar dizer-te isto para não te alimentar falsas esperanças,
mas tu tens e mereces saber. O Pedro gosta da Matilde, acredito que
uma pessoa para estar com outra, tem de gostar o mínimo que seja,
mas é necessário haver algum sentimento, mas ele ama-te é a ti,
senão porque a teria traído? Logo aí prova que não a ama, e a
tê-lo feito contigo significa que nunca te esqueceu.
-Já
não sei o que pensar. Eu amo o Pedro, como nunca amarei ninguém,
ele está para sempre comigo, no meu coração, mente e até no meu
corpo. -
Apontou para a tatuagem com o nome do rapaz no pulso. -E
não acreditas o quanto me vai magoar dizer isto, e que isto mexe com
todo o meu interior, sinto-me a trair o Pedro, e serás a primeira e
única pessoa a saber isto. O Filipe mexe comigo. Não te sei
explicar bem, nem como o dizer, mas ele mexe comigo.
-Não
te vou dar na cabeça, descansa. -
Sorriram. -Basta
e bem o teu irmão. Mas já sabes o que vai fazer em relação... -
Não sabia como o pronunciar. -
A isso?
-Nada.
Sei o que sinto pelo Pedro e quero voltar a ter uma oportunidade com
ele, hoje tive a prova que ele não está verdadeiramente feliz com a
Matilde e eu sou a chave para a felicidade dele, vou sempre
preferi-lo ao Filipe. E antes de fazer o que quer que seja, vou
passar-me por água e esvaziar a banheira que já está a ficar frio
e quero ajudar a fazer o jantar.
Rita
saiu da casa de banho e começou a ir preparar o jantar enquanto a
cunhada vestia-se, mal terminou foi ajudá-la.
-Falaste
com o Pipo hoje?
-Sim,
um pouco antes de vir para casa, ele disse que não vinha jantar e
não sabia a que horas chegava.
-Acreditas
que ficamos de almoçar juntos e ele mandou-me uma mensagem a
cancelar e não disse nada até agora? Supostamente eu não sei que
ele está castigado.
-Não
compreendo o Filipe.
-Eu
não compreendo os rapazes, que é bem pior.
Ambas
sorriram e passado alguns minutos chegou Diogo e juntos jantaram.
-Eu
levanto a mesa, vão lá ver um filme.
-Tens
a certeza? -
Perguntou a cunhada.
-Claro!
Depois vou-me deitar e escrever alguma coisa.
-Obrigada
Sofia! -
Deu-lhe um beijo na bochecha.
-E
está descansada que já preparo as pipocas e uns sumos para vocês,
por isso não comecem já a treinar os meus sobrinhos! -
Rita limitou-se a sorrir e a ir até à sala onde o seu namorado já
a esperava.
Sofia
colocou os fones nos ouvidos e começou a dançar ao som da música
enquanto arrumava a cozinha e preparava os petiscos para o casalinho,
quando terminou foi levar-lhos e interrompeu um beijo entre eles com
o fingir de tosse, deu-lhes o que havia prometido e foi até ao
quarto onde não tardou a vestir o pijama e começar a escrever.
“Querido
Pedro,
Amar
alguém é quando somos capazes de dar uma vida pela outra pessoa,
quando colocamos a felicidade da outra à frente da nossa, quando nos
tornamos transparentes aos olhos de quem amamos. É estar presente na
mente da outra pessoa, passe o tempo que passar, e continuar a amar,
mesmo que nos tenham magoado profundamente. Foste tu que me ensinaste
isto, foste tu que me ensinaste o que era amar-te, foi por tua causa
que o vivi e sinto-o a arder no peito, todos os dias, em todos os
momentos.
Estás
com a Matilde e queria acreditar que estavas feliz, queria provar a
mim mesma que estavas feliz, sem mim, mas hoje provaste-me que não é
realidade. Mesmo que já não me ames, não amas a Matilde como me
amaste a mim, sempre me disseste que quando amamos somos incapazes de
trair e tu fizeste-o. Comigo. E digo-o e repito, se houve momento em
que não tive dúvida absoluta do que sentia por ti e queria lutar
por nós, foi quando o fizemos. Não foi apenas amor, nem sexo, foi a
união de dois corações que estavam separados, foi o momento em que
deixou de existir um passado e um futuro, para haver um esquecimento
da razão e da lógica, para afastarmos os passados do presente, que
damos pelos nomes de Filipe e Matilde para apenas nos concentrarmos
no presente, no momento em que deixou de haver uma Sofia e um Pedro,
mas um nós.
Sempre
foste um livro aberto para mim, sempre conheci todos os traços da
tua personalidade e do teu corpo e depois do dia de hoje sinto que tudo
mudou, nunca acreditei que eras capaz de fazer isto, não apenas a
mim, mas à Matilde, e ao fim ao cabo, magoares-te, porque a dor dos
remorsos irá atormentar-te até ao último segundo e irá
prosseguir-me sempre. Sei que foi um erro teres traído a Matilde,
mas será que foi um erro envolvermo-nos, esquecendo tudo o resto?
Amo-te
para sempre,
Sofia
Roch(inh)a”
Pousou
a carta sobre a sua mesa de cabeceira e olhou para as duas molduras
que ali estavam presentes. Uma com Filipe e outra com Pedro.
Aquela
fotografia havia sido tirada recentemente por ela e Filipe havia-lhe
dado e emoldurado, na parte de trás da fotografia podia ler-se o que
ele tinha escrito:
“A
amizade é um amor que nunca morre”
Filipe
escolheu aquela frase como poderia ter escolhido tantas outras, mas
porque optara por aquela? Era uma pergunta para a qual Sofia não
tinha resposta. E pode reparar na outra fotografia emoldurada que tinha ao lado da anterior:
Aquela
havia sido uma surpresa que Pedro lhe havia feito. Tinham-se
desentendido porque ele tinha feito uma crise de ciúmes por causa de
Filipe, e passado um ano, eles haviam-se envolvido, a vida era
demasiado curiosa por vezes. E Pedro preparara-lhe esta surpresa para
lhe pedir desculpa e foi a partir daquele dia que a relação dele
tornara-se magnífica e mágica.
E
na parte de trás da fotografia e da moldura que Pedro lhe havia
dado, poderia ler-se:
“It's
not a bird,
Not
a plane,
It's
my heart and it's going gone away”
Aquela
música descrevia o que era amar, porque deste o início que gostavam
muito um do outro, mas foi com o tempo que descobriram e começaram a
amar-se, mesmo que a tenra idade fizesse muitos duvidar do que
sentiam, até mesmo os que viam que existia algo único entre ambos.
Não conseguiu deixar de deitar uma lágrima teimosa, abraçou-me à
moldura que Pedro lhe havia dado e adormeceu abraçada a ela.
Acordou
de manhã antes do seu despertador tocar, e espreguiçou-se,
sentia-se feliz e bem-disposta, estava disposta a lutar pelo que
queria e ao contrário de outros dia sentia uma nova esperança
apoderar-se de si, a sua história de amor não tinha acabado, estava
longe de ter terminado. Levantou-se da cama e foi em direção à
casa de banho quando viu uma rapariga sair do quarto de Filipe com
uma camisola dele vestida, caminhava até à casa de banho e apenas
queria dizer algo. Eles tinham dormido juntos. Assim que a rapariga
fechou a porta da casa de banho correu até ao quarto de Filipe, onde
ele estava sentado de lado na cama e empurrou-o com os braços,
extremamente enervada e revoltada, mas acima de tudo magoada e
desiludida, depois do que haviam falado na noite anterior, ele
atrevera-se a ir para a cama com a primeira rapariga que lhe
aparecera à frente.
-Como
foste capaz de me magoar desta maneira sabendo melhor do que ninguém
por tudo o que tenho passado?
Dito
isto Filipe puxou-a para si e beijou-a.
Porque
terá Filipe beijado-a?
Como
irá reagir Sofia? Como ficará a história da rapariga com os seus
“dois rapazes”?