(Sofia)
Sofia acordou sobressaltada. O
sonho voltara a repetir-se. Parecia tão real e tão assustador... E cada vez que
se repetia a sensação aumentava. Aquele sonho já tinha um ano e já se repetira
tantas vezes que perdera a conta. A sensação de se tornar realidade
assustava-a, como o medo de perder alguém que amava, como a dura realidade de
ter abandonado o homem que amava, Pedro e pela morte do filho, que ainda vivia
no seu ventre.
-Sofia está tudo bem, foi só um pesadelo. – Tentou acalmá-la a mãe enquanto a aconchegava nos seus
braços e beijando-lhe a testa.
-Mãe, mãe. –
Apertou os braços da mãe, claramente assustada e ainda com medo que o sonho
fosse real. –Parecia tão real mãe, não
os posso perder. Não outra vez... Eu amo-os mãe. – Chorou nos braços da
mãe.
-Filha ouve-me as minhas palavras com atenção. – Sofia limpou as lágrimas e olhou para a mãe. –És mãe. Pode ter acontecido aquilo que aconteceu
mas tu és, foste e sempre serás mãe, a partir do momento em que ele morou no
teu ventre. E se houve algo que a maternidade me ensinou foi que muitas vezes,
temos de ser fortes, não por nós, mas pelos nossos filhos. Porque eles precisam
dessa força. E o teu filho no céu precisa de ti, precisa da tua força, coragem
e determinação que eu sei que tens para poder descansar em paz. Ele sabe tudo
sobre ti e orgulha-se tanto de ti como eu. E ele só se torna a estrela mais
brilhante no céu, durante a noite e o dia, quando tu és forte, quando lutas. Um
dia vais conseguir o que queres. O truque é nunca desistir, vais realizar os
teus sonhos. E vais dar um irmão ao Júnior! E quanto ao teu ex. – Usou uma
expressão que fez Sofia sorrir. –Não
entres logo com tudo o que tens e não tens. Tenta entender o lugar dele, tenta
reconquistá-lo aos poucos e poucos e depois com o tempo provas-lhe que o amas,
um bocadinho, todos os dias e ele percebe que nunca deixaste de amar. Sim,
porque até um cego entende que tu o amas! – Sofia sorriu a relembrar cada
traço do seu físico e da sua personalidade. –E se ele também te ama, as coisas vão simplesmente acontecer quando
tiverem de acontecer. Não desistas dele, tudo vai acabar por dar certo, no céu
tens uma estrelinha muito forte a torcer por vocês, estrelinha essa que é fruto
do vosso amor! – Beijou a testa da filha que sorriu e sentiu-se confortável
nos braços da mãe, como se aquelas palavras lhe tivesse dado uma força
extraordinária e inexplicável para lidar com a vida.
-Posso? –
Perguntou o pai enquanto espreitava para dentro do quarto. –Desculpem interromper mas tens uma visita filha.
-Está bem, mas quem é?
-Alguém de quem tem bastante saudades. Pode entrar?
-Sim, claro.
-É melhor sairmos amor para os deixarmos mais á vontade. – A mãe de Sofia saiu do quarto deixando-a sozinha. Passado
alguns segundos, bateram á porta.
-Entre. –
Pedro entrou pelo quarto e fechou a porta. Os olhares cruzaram-se pela primeira
vez num ano.
-Pedro...
-Sofia. –
Aproximou-se dela e os olhares não se separaram nem por milésimos de segundo,
não sabiam ao certo o que dizer e muito menos o que fazer, todos os sentimentos
se misturavam. Amavam-se mas existiam demasiadas dúvidas que não deixavam
aquele sentimento comandar. –Porque me
abandonaste?
-E tu, porque não vieste atrás de mim? – Perguntou ela, contra-atacando. Era verdade que ela o
abandonara do dia para a noite, mas ele também não correra atrás dela e isso
magoava-a.
-Abandonaste-me e ainda me pedes que fosse atrás de ti?
-Prometeste que não ias desistir de mim e o que fizeste? Simplesmente
desististe.
-Não, tu é que desististe de nós. Tu é que me abandonaste
do dia para a noite e durante um ano não te dignaste a mandar-me uma carta, um
e-mail ou simplesmente uma mensagem, foste tu que desististe, nunca eu.
-Tu podias simplesmente ter-me procurado.
-E achas que não procurei? Percorri meio-mundo, fiz tudo o
que pude por ti! Tu simplesmente desapareceste...
-E entretanto refizeste a tua vidinha não foi verdade? Como
foi possível teres-me traído desta forma?
-A única pessoa que aqui traiu foste tu, traiste os meus
sentimentos e as nossas promessas, foste tu que me deixaste sem dizer nada,
foste tu que escolheste desaparecer e esquecer-me. Eu simplesmente lutei para
reorganizar pela minha vida e ser feliz.
-E porque não esperaste por mim? Sabias que mais cedo ou
mais tarde iria voltar.
-Sofia, eu amava-te. –
Isso queria dizer que já não a amava? –
Procurei-te, perguntei a toda a gente que te conhecia, esperei, e simplesmente
não sabia nada de ti. Acredita que quem sofreu mais no meio disto tudo fui eu.
Fui eu que passei noites em claro à espera de qualquer sinal teu, a
perguntar-me se o problema era meu, foram dias em que só pensava em ti, toda a
minha vida se centrou em ti durante uns tempos, eu pensava que me amavas e tu
simplesmente... Abandonaste-me. Como achas que fiquei? Mas superei tudo Sofia,
mas ainda não te perdoei, possivelmente nunca o farei, porque me demonstraste tudo
o que não queria ser. Superei toda a dor, todo o sofrimento, chorei tudo o que
tinha para chorar e ultrapassei, e acabei por me apaixonar por uma pessoa que
me apoiou sempre e ela sim ama-me, com a Matilde, eu sou feliz e espero apenas
que também encontres a tua felicidade. – Deu um beijo sobre a testa de
Sofia e saiu do quarto, despediu-se dos pais dela e agradeceu a oportunidade,
em especial ao pai de quem tinha a perfeita noção que sempre fora contra o
namoro entre eles, despediu-se de Diogo e Filipe e saiu.
E Sofia, no quarto, não reagira.
As palavras que Pedro lhe tinha dito ecoavam na sua cabeça, em especial,
“(...)eu sou feliz e espero apenas que também encontres a tua felicidade”. Ele
falava, sobre si, num passado longíquo, quando no fundo havia passado só um
ano. Queria chorar e não conseguia, queria dizer algo mas as palavras
simplesmente não saiam, sentia um vazio apoderar-se de si e da sua vida e nada
poderia descrever aquele momento, como poderia ele já não nutrir qualquer tipo
de sentimento por ela? Será que ela o havia magoado assim tanto? Será que ele
se tinha esquecido de todos os sentimentos e da relação que os unira? Filipe
entrou no quarto e foi ao encontro dela, olhou-a nos olhos e não precisou de
palavras para entender o que ela sentia, sentou-se sobre a cama e ela sentou-se
ao seu colo, quando ele a apertou nos seus braços, não conseguiu conter as
lágrimas.
-Sofia não sei o que o Pedro te disse, mas sei que tu és
das pessoas mais fortes e determinadas que conheci até hoje e que não vais
abaixo com o que ele te possa ter dito. Ele reagiu de cabeça quente.
-Ele... Ele já não me ama. – Disse soluçando com as lágrimas a escorrerem-lhe a face,
Filipe limpou as suas lágrimas com a ponta dos dedos e olhou-a, como tentando
tranquilizá-la com o poder do olhar.
-Tu sabes que não é verdade.
Sofia aconchegou-se nos braços
de Filipe e fechou os olhos tentando dormir, como não conseguia deixou-se
permanecer como estava tentando encontrar o rumo certo para adormecer. A porta
do quarto abriu, e entrou Diogo, que foi facilmente reconhecido pela irmã, pelo
arrastar dos seus pés.
-Como é que ela está?
-Felizmente já adormeceu, mas não está nada bem.
-Que é que ela e o Pedro falaram?
-Ela apenas me disse que ele já não a amava.
-Tu sabes que ele está com a Matilde.
-Sim, sei mas recuso-me a pensar que ele a tenha esquecido
tão rapidamente, ela é demasiado especial para ele ter a ousadia de fazê-lo.
Ela permanecia aconchegada nos
braços de Filipe, sentindo a sua respiração constante e o bater do coração que
parecia aumentar sempre que dizia o seu nome ou quando disse que ela era
especial, ela não lhe era indiferente, da mesma forma que ela sentia por ele.
Ouvir o seu coração sossegava-a, mas sabia que só uma pessoa ela amava, e
acreditava ser para sempre.
-Filipe?
-Sim.
-O que é que tu e a irmã têm?
-Tu sabes, envolvemo-nos.
-Há alguma coisa mais?
-Não. Não aconteceu nada mais, além do que tu sabes.
-Filipe, não quero que haja males entendidos, por isso
vou-te explicar porque fui contra vocês envolverem-se.
-Tu tinhas medo que ela me usasse para esquecer o Pedro, eu
sei.
-Além disso. No final vocês vão acabar magoados, dê por
onde der.
-Diogo, em todos os filmes os amigos que se envolvem acabam
apaixonados, mas eu e a Sofia podemos ser uma excepção, ela tem o coração
ocupado e eu sei bem disso.
-E tu, não estás apaixonado pela Jéssica? – Filipe não respondeu, deixou o silêncio apoderar-se da
sala, deitou a Sofia na cama e respondeu:
-Vamos sair do quarto, a tua irmã precisa de descanso. – Cobriu o corpo da amiga com o lençol da cama e saíram do
quarto, mal ouviu o silêncio profundo em que o quarto se encontrava, adormeceu
e acabou a sonhar com todas as aventuras que envolviam os “seus três rapazes”
naquele dia.
(Passado Alguns Dias)
Sofia acabou por ter alta do hospital,
embora com a informação que tenha de ser acompanhada por um psiquiatra
regularmente e ela aceitara-o, sabia que era o melhor para ela, e talvez fosse
o único que a ouvisse sem julgar. Apesar de confiar a sua vida a Diogo e
Filipe, tinha medo que eles a julgassem e talvez com um desconhecido isso não
aconteceria. Sabia que era forte, não precisava que lho dissessem, mas temia o
futuro, sabia que já tinha ultrapassado muitas dificuldades e iria superar
outras ainda mais temerosas e isso assustava-a. Tinha voltado para casa de
Filipe, mas não se voltaram a envolver, ela sabia que amava Pedro e iria
reconquistá-lo. E Filipe iria conquistar Jéssica, não a conhecia mas confiava
que o sentimento era recíproco, ele merecia ser feliz e como poderia não se apaixonar
por um rapaz tão impecável?
Aquele era o seu primeiro dia de aulas e ela
iria recomeçar, iria reconquistar os amigos que deixara naquela escola, iria
recomeçar a sua vida e reencontrar a sua felicidade. Não só Pedro, como também
os amigos e a vida que outrora vivia, inclusivé com os pais de quem morria de
saudades. Sofia era uma rapariga lutadora e com um enorme coração, bastou o pai
pedir perdão que ela desculpara-o e estava disposta a esquecer, ele estava
realmente arrependido e ela sabia, apesar de tudo não deixava de ser seu pai,
amava-o.
Filipe levara-a até à escola e
ele aparentava estar mais nervoso que ela.
-Boa sorte para hoje, pequena!
-Filipe já perdi a conta ás vezes que me desejaste boa
sorte! – Sorriu, tentando
tranquilizá-lo, até porque ele aparentava estar mais nervoso que ela.
-Estou nervoso por ti, posso? Sei que vai correr bem mas é
para me tranquilizar.
-Sabes que já andei na escola certo? E que aliás este já é
o meu último ano do secundário certo?
-Sim sei, mas é o primeiro dia de aulas do teu secundário.
-Estás enganado, já tinha tido aulas lá em Espinho, depois
é que pedi a transferência.
-Então já tiveste os primeiros dias de massacre! – Sorriram. –E quero
que olhes para isto como um desafio, um de muitos que tens! – Piscou-lhe o
olho.
-Sim, obrigada e não precisas de ficar assim, estás mais
nervoso que eu!
-Não estou nervoso... Apenas estou recetivo.
-Mentiroso! Descansa que senão correr bem eu ligo-te!
-Mas é para ligares mesmo!
-Eu ligo descansa! Mas agora é melhor ir que senão vou
chegar atrasada e causar uma péssima primeira impressão!
-Vai lá, boa sorte! –
Deu-lhe um beijo na testa. –A que horas
é que sais?
-Às 13:30, porquê?
-Eu venho buscar-te e vamos almoçar juntos.
-Combinado.
Deram dois beijos de
despedida, mais uma série de “boa-sortes” de Filipe e Sofia saiu em direção à
escola, sabia que era só mais uma aventura e um longo caminho a percorrer mas
algo a fazia ficar reticente e ter receio.
Porque
será que Sofia terá este estranho pressentimento?
Como
irá correr o 1º dia de aulas? Como correrá o almoço?